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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Texto "Método tutorial de Educação"



O MÉTODO TUTORIAL DE EDUCAÇÃO*
Edvanda Bonavina da Rosa [1]
* In: Ministério da Educação e Secretaria da Educação Superior. Programa de Educação Tutorial: estratégia para o desenvolvimento da graduação. Brasília: MEC, 2008, p. 81-5.

Pretendemos neste texto refletir sobre nossa atuação na educação tutorial, partindo de afirmações do educador Gilbert HIGHET. Como esse autor se refere a ensino, consideramos necessário estabelecer sucintamente a diferença entre esses dois termos. Educação é um termo mais abrangente que ensino, pois, em relação à instrução formal, ensino diz respeito de preferência às práticas em sala de aula, enquanto educação é mais abrangente. No caso do Programa de Educação Tutorial, PET, as atividades envolvem não só ensino, como também pesquisa e extensão. Portanto, nossa atuação pertence ao âmbito mais amplo da educação. Contudo, como pretendemos mostrar, as considerações do autor referido podem servir de ponto de partida para nossa reflexão.
Afirma HIGHET em sua obra A arte de ensinar[2] que o ensino formal tem três momentos específicos. O primeiro deles é a preparação das aulas, o segundo é a comunicação do conhecimento e o terceiro é a avaliação do aprendizado. Considera ele que a comunicação do conhecimento é fundamental para a formação do aluno. Afirma acerca do mestre: “Se falhar nisso, terá falhado como professor.” O primeiro método de comunicação do conhecimento é a aula expositiva, na qual fala só o professor e os alunos ouvem calados e passivos. O outro é o trabalho em classe, ou “argüição”, no qual o professor indica antecipadamente um texto, os alunos o lêem e depois discutem em sala de aula, o que possibilita ao professor verificar se realmente a classe leu o texto indicado e o nível de compreensão do assunto em questão. A essa categoria pertence também o que designamos de “seminário”. Ele aborda ainda um outro método de ensino, que é o tutorial method, o método tutorial. Esclarece o tradutor da obra de HIGHET que esse método de ensino foi introduzido na Universidade de Princeton, em 1905, por Woodrow Wilson e nele trabalha-se com grupos de seis a doze alunos, todos postos em confronto, em pequenos seminários e que o método tutorial, no sentido empregado pelo autor, existe apenas em algumas universidades inglesas.
Contudo, conforme HIGHET, o sistema "tutorial" não é uma inovação tão recente, mas teria surgido já entre os gregos antigos, em decorrência do caráter desse povo, que apreciava muito propor questões e discuti-las. Sócrates é apresentado como o expoente modelar desse método.
Como nosso propósito é levantar pontos de reflexão acerca de nossa prática enquanto atuantes num programa tutorial, considero pertinente refletir acerca do que HIGHET afirma sobre o método socrático. Afirma ele inicialmente:
Mas Sócrates foi o primeiro a pensar que o ensino não deveria significar o depósito de novas idéias num cérebro inteiramente vazio, mas a extração dessas idéias da mente em que elas já estavam, em embrião.
Essa citação nos faz recordar uma das etimologias possíveis para o termo educação, que o associa ao latim e-duco, conduzir para fora, fazer sair, ou seja, dar condições para que o educando exteriorize suas habilidades e competência e assim desenvolva sua criatividade. Não sem razão Sócrates denominava seu método maiêutica, ação de realizar um parto, comparando-se a sua mãe, que era parteira.
Logo a seguir, HIGHET avalia o método socrático, afirmando que:
Todo o seu ensino era feito pela conversação. Ele tão somente propunha questões. Os discípulos eram convidados a responder.
A “conversação” que Sócrates entretinha com seus discípulos chamava-se dialética, por estar embasada no diálogo. Diálogo etimologicamente significa “através da palavra”, mas não uma palavra qualquer, e sim aquela que provém do exercício da razão, em sua busca pelo sentido e essência das coisas e principalmente dos conceitos. Em sua obra Protágoras, Platão opõe aqueles que ensinavam por meio de longas dissertações a Sócrates, que submetia tudo ao crivo de seu método de troca de idéias, numa construção crítica dos conceitos. Parece-me que temos muito em comum com Sócrates, pois nossa atuação no PET procura pautar-se também por essa diretriz, a da construção coletiva de nossas práticas, por meio da proposição de atividades e meios de execução, seguida de um brainstorming que enfoca prós e contras, e por fim a tomada de decisão consensual sobre o que deve ser realizado.
Apesar de haver quem se opusesse à forma de questionamento socrático, muitos jovens o ouviam maravilhados e “fascinados com sua cordial polidez”. No que se refere a esse aspecto, também essa cordialidade de Sócrates nos leva a refletir acerca da forma de interação no PET, pois a educação tutorial permite uma aproximação maior entre professor e aluno, já que o contato não se restringe a encontros ocasionais em sala de aula. E uma chave importante nesse contato é a cordialidade do tutor, que não impõe suas idéias nem age de modo a reprimir os alunos com atitudes agressivas. Diz HIGHET:
Normalmente, os bons tutores são flexíveis, adaptando-se aos diferentes tipos de seus alunos; de fato, não podem ser imperativos, duros, homens monolíticos, de personalidade invariável ou determinada.
Nesse sentido, o PET é uma lição constante de democracia, pois no grupo não deve haver quem sabe mais, mas é preciso existir aquele que tem maior formação – o tutor - mas que sabe dar voz a um outro – o aluno -, que evidentemente é menos experiente mas não menos competente. De fato, é um aspecto que sempre causa fascínio no PET ver como os projetos vão “crescendo” pela troca de idéias, quando uma proposta inicial, que parecia tão “redonda”, vai sendo questionada e aprimorada pelo grupo, até adquirir uma feição definitiva, bem melhor que a idéia original. Nesse exercício de ouvir o outro, tentar construir um projeto que corresponda aos anseios do grupo, aprender a respeitar a diferença, saber valorizar a opinião do outro e agir de forma cooperativa, buscando e encontrando satisfação em agir conjuntamente reside o elemento de maior relevância do Programa. Nossa cultura capitalista nos mergulha de uma forma que até dói no individualismo. Corremos assim o risco de nos tornarmos convictos de que temos que vencer sempre e demonstrar que estamos sempre certos, mesmo às custas da infelicidade alheia ou de nossa própria infelicidade. É dessa maneira que o PET contribui na formação da cidadania, pois nos dá chance de, durante três anos, nos prepararmos para a democracia, ouvindo o outro e aprendendo a reconhecer e admirar seus valores, às vezes diferentes dos nossos, mas muitas vezes mais adequados que nossas próprias convicções.
Em sua reflexão sobre o método socrático, HIGEHT aponta que, para Sócrates, o ensino não era só propor uma série de perguntas, com o fim de pôr em relevo a ignorância dos discípulos. Se assim agisse, seu objetivo seria negativo. Sócrates, ao contrário, tinha um fim positivo em vista:
Desejava levar cada aluno a compreender que a verdade estava no seu próprio poder de pesquisa, desde que pesquisasse firmemente e arduamente, recusando toda e qualquer "afirmação de autoridade", e julgando cada solução mediante a razão, tão somente. Sócrates possuía uma idéia muito clara, se bem que muito geral, do que fosse o domínio da verdade. Suas perguntas, lenta e imperceptivelmente, com freqüentes lacunas e digressões, e pausas para provocar objeções, sempre orientavam o aluno para esse domínio.
Também aqui parece haver sintonia entre o método socrático e a orientação dada à atuação petiana, no incentivo à dedicação ao ensino e extensão, mas nunca desligado da pesquisa. Dessa forma, nos grupos sempre procuramos localizar problemas da sociedade que demandam solução e buscar alternativas propostas pela pesquisa científica, mas submetendo as possíveis soluções ao crivo da análise pessoal e conjunta de sua adequação à situação presente.
Também percebemos uma concordância entre a opinião de HIGHET e nossa atuação no PET quando ele afirma:
Na combinação desses dois aspectos, o método crítico e o propósito positivo do sistema socrático, é que se encontra a essência do método "tutorial".
Assim como todos nós, HIGHET também considera o método tutorial o mais completo meio de ensinar. Contudo, também como nós, ele verifica que há entraves e exigências para a utilização de tal metodologia. Creio que não teríamos grandes dificuldades em tornar nossas suas palavras:
Esse sistema é o mais difícil, o menos comum, mas também o mais completo meio de ensinar. É o mais difícil porque exige constante vivacidade, invariável bom humor, completa isenção e devotamento à causa da verdade, tanto da parte do professor quanto da do aluno. É o menos comum, porque exige dispêndio de tempo, dinheiro e esforço (...) O dispêndio em tempo e esforço no sistema é também muito grande. É incomparavelmente mais fácil dar duas preleções, de uma hora cada uma, a classes mesmo de cinqüenta ou sessenta alunos, que perguntar, objetar, relembrar, acompanhar, argüir, defender-se e contra-atacar, e sempre para um fim definido, a ser ferido e acentuado, como deve fazer o tutor. Depois de duas horas de tal trabalho, você estará exausto.
De fato, esse método de aprendizado requer tudo o que é afirmado acima e, por essa razão, comumente se ouve dizer que o grupo sempre dá bons resultados quando todos, tutor e bolsistas, “vestem a camisa” do PET e poder-se-ia acrescentar “em tempo integral”!
É preciso ressaltar que os ideais que norteavam o Programa em seu início, quando visava à formação de excelência na área da pesquisa, era muito semelhante ao sistema tutorial empregado em universidades como Oxford e Cambridge, destinando-se à formação individual. Agora, após vinte e cinco anos de existência, como conseqüência natural de sua prática de construção coletiva, o PET adquiriu sua feição atual, integrando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que permite a eficaz inserção dos alunos na comunidade acadêmica e externa, sob a supervisão de um tutor, buscando não só o aprimoramento de sua formação acadêmica, como também tendo como meta a construção conjunta da consciência cidadã.


[1] Tutora do PET/Letras – FCL/UNESP/ Araraquara
[2] HIGHET, Gilbert. A arte de ensinar. São Paulo: Melhoramentos, s/d (copyright de 1950)

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